quinta-feira, 3 de setembro de 2020
cantiga d'amor...
da minha varanda à tua
vai apenas mais um passo
entre nós se mete a lua
quando damos nosso abraço
nos meus olhos água acesa
dor d'amor que neles ficou
e à noitinha é a tristeza
a sombra que o amor deixou
meus olhos charcos d'água
não sei porque ao mundo vim
trago em mim a dura mágoa
estranha noite dentro de mim
já me perco na escuridão
que em silêncio murmura
ao meu sofrido coração
- a vida agora é noite escura!
tudo me lembra a tua voz
até a chuva batendo mole
brilhava cândida a lua pra nós
hoje é luz morrente a do sol.
a vida já breve, breve
é folha que tomba ao chão
que passando ao de leve
vai-nos roubando o coração
meu coração vagabundo
à porta do teu foi bater
entre eles diálogo profundo
que os deixa enternecer
são eles como dois mendigos
que andam de amor a mendigar
famintos de amor, de amigos
querendo o amor aprisionar.
natalia nuno
rosafogo
quadras de 1986
encruzilhada...
horas pesadas as de hoje
caem sobre minha estrada
ao destino ninguém foge
é dormente a encruzilhada
trago minha face turvada
linhas das mãos lê-se a sina
e o fundo de mim se abeira
nem a vida já me fascina
só a solidão é companheira
dia e noite, sem que queira
denso escuro me circunda
intranquila sigo em frente
a saudade em mim abunda
a vida agora, estrela cadente
e a morte, terrível serpente
um mal ronda toda a cidade
esconde-se perigo à esquina
quem dera esquecer a idade
caminhar sobre a poeira fina
subir ao muro como menina
tamanha solidão cobre o país
amargo trago destes instantes
foi talvez Deus quem assim quis
nada voltará a ser como dantes
existe medo, um terror imenso
precisa o humano ter bom senso.
natália nuno
rosafogo
escrito em 1990
versos desafinados...
escrevo versos tão desafinados
por não saber como melhor fazer
são como aqueles beijos roubados
que ao dar-se finge-se não os querer.
nos versos me enredo até morrer
por eles trago o coração rendido
e é tanto por eles o meu querer
que sem eles a vida não faz sentido
trago a menina em mim c' carinho
num canto do coração a dormir
ao chegar ao fim deste caminho
nem sei como dela me vou despedir
e é neste sonho m' alma se abriga
já que distante tudo da vida ficou
sou do tempo, foi ele q' me fez antiga
tempo que na vida tudo me ensinou!
as mãos vão o sonho remendando
na certeza de que só eu as entendo
e às coisas más vou-me negando
por tanto que me foram doendo...
e desta conversa fica a esperança
nas quadras sem razão, mal nascidas
talvez venha um vento de mudança
e eu escreva quadras menos sentidas.
natalia nuno
rosafogo
1991
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